Page 20 - DESENVOLVIMENTO INFANTIL O QUE DESENVOLVE.indd
P. 20

INTRODUÇÃO

                                  mesmos fenômenos foram observados em relação a tamanho, peso, altura e per-
                                  cepção de sons.
                                    Os estudos da psicologia, notadamente os do grupo de pesquisas de Stan-
                                  listas Dehaene, já citado, apoiam-se em dezenas de contribuições de outras ci-
                                  ências. Seguindo a tradição iniciada por Otto Kohler no início do século XX,
                                  Brannon (2006) realizou diversas experiências com animais de diferentes es-
                                  pécies, como aves, répteis, golfinhos e primatas não humanos e observou que
                                  estes são capazes de estimar, comparar e calcular quantidades numéricas de
                                  forma aproximada. M. Hauser (2005) demonstrou que chimpanzés avaliam a
                                  quantidade de atacantes antes de decidir se partem para uma briga. Há estudos
                                  similares realizados com pombos.
                                    A representação abstrata de um número, portanto, não aparece tarde nem
                                  responde a uma construção lógica e lenta ao longo da infância: já vem conosco
                                  desde nossos antepassados. A psicologia baseada na etologia permitiu-nos avan-
                                  çar, pois utilizando métodos engenhosos de observação, Wynn e Chiang (1998)
                                  demonstraram como bebês já internalizaram operações fundamentais de adição
                                  e subtração.

            Cérebro, leitura e alfabetização



                                    O caso da percepção de letras e palavras ilustra de maneira cabal a contribuição
                                  da neurociência para a psicologia do desenvolvimento. Primeiro vamos aos fatos:
                                  depois de um treino rigoroso e específico em nível suficiente, as letras ou mesmo
                                  fragmentos delas são percebidas e armazenadas sem erro em uma determinada re-
                                  gião do cérebro – a região occipitotemporal –, originalmente responsável pelo ar-
                                  mazenamento visual e reconhecimento de faces. O mesmo ocorre com as palavras
                                  – qualquer que seja a língua do falante.
                                    Essas constatações refletem alguns princípios importantes que presidem o fun-
                                  cionamento do cérebro. Um deles é a ideia de localização cerebral que sugere uma
                                  predisposição, determinada geneticamente, para o cérebro exercer funções especí-
                                  ficas determinadas por estruturas também específicas. A outra é que, apesar dessa
                                  predeterminação, há um certo espaço para modificação – a chamada plasticidade.
                                  As faces continuam a ser processadas nessa área, mas há uma diminuição de ati-
                                  vação em uma parte periférica dela, acompanhada de um aumento de ativação na
                                  região homóloga do hemisfério direito. Esses estudos também apontam para uma
                                  outra limitação: essas mudanças ocorrem quando comparamos analfabetos adultos
                                  com pessoas que aprenderam a ler quando eram crianças. Quando as pessoas são
                                  alfabetizadas na idade adulta, há uma perda de plasticidade para reciclar a área de
                                  processamento de faces.
                                    No processo de aprendizagem da leitura, essas áreas apresentam-se como muito
                                  ativas nas imagens cerebrais de crianças entre seis e doze anos, quando ocorre o
                                  processo de aprendizagem da leitura e sua consolidação. Mas essas mesmas áreas
                                  são menos ativas em portadores de dislexia.
                                    Esses avanços da neurociência têm importante aplicação prática, por exemplo,
                                  no que se refere aos métodos de alfabetização: o cérebro só registra palavras inteiras
                                  por um processo de decomposição de letras, grafemas e fonemas – daí a superiori-
                                  dade (e necessidade) do ensino explícito dessas relações, conforme abundantemen-
                                  te comprovado pela evidência empírica – Adams (1990), Dehaene (2012) e José
                                  Morais (2013) –, entre outros.

                                                           7
   15   16   17   18   19   20   21   22   23   24   25