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DESENVOLVIMENTO INFANTIL: O QUE DESENVOLVE?
Podemos observar, por exemplo, que a criança nasce com conhecimentos de
cinemática, pois é capaz de prever e compreender o movimento dos objetos: ela
prevê rotas, direção, velocidade. Fazemos isso quando observamos o movimento
ou simplesmente quando o imaginamos. Shepard (2001) demonstrou, com experi-
mentos comportamentais, que o tempo de exploração dessas imagens mentais são
uma função linear do ângulo ou da distância a ser percorrida, ou seja, a trajetória
mental imita a trajetória de um objeto físico.
Há várias hipóteses concorrendo para explicar a formação de redes neurais que
nos permitem receber e tratar determinados tipos de informação. Os defensores da
teoria da modularidade sugerem que nascemos equipados com uma variedade de
redes neuronais, muitas delas especializadas para receber e tratar determinados ti-
pos de informação. Quando a criança pergunta “o quê, quem, quando, onde ou por
quê”, módulos específicos de seu cérebro são ativados para compreender o mundo
que a cerca. A própria pergunta tornar-se-ia possível a partir de capacidades men-
tais inatas e – logo a seguir – pela aquisição da linguagem. Outros sugerem que as
redes neurais se formam a partir da experiência – com base em uma predisposição.
Basta, por exemplo, haver uma privação sensorial para que os neurônios previstos
para a visão respondam a estímulos auditivos ou táteis.
Nesse contexto, Elizabeth Spelke (2003) descreve as quatro propriedades que
todos os seres humanos presumem, de maneira inconsciente, a respeito de objetos
físicos:
Coesão: objetos são constituídos por massas que
se movimentam como um todo.
Solidez: objetos não são facilmente permeáveis a
outros objetos.
Continuidade: objetos movem em trajetórias contínuas.
Contato: objetos movem-se por meio de contato.
Nos próximos parágrafos descrevemos como alguns desses equipamentos inatos
com que viemos ao mundo criam as condições que nos permitem aprender a convi-
ver com o mundo e a adquirir instrumentos cognitivos e culturais de grande valia,
como a matemática e a linguagem.
Cérebro e matemática
Nossa capacidade de aprender matemática tem suas raízes em representações
mentais estruturadas que herdamos em nossa evolução: isso inclui o sentido do
número, do espaço, do tempo.
Todo estudante de psicologia lembra-se das leis de Weber e dos estudos de
Fechner a respeito das propriedades logarítmicas da percepção. A partir dos es-
tudos citados anteriormente, pesquisadores como Dehaene e Changeux (2011)
demonstraram, a nível neural, o acerto das previsões de Fechner: animais e seres
humanos utilizam aproximações que podem ser representadas em uma escala
logarítmica, em que a capacidade de discriminação de números próximos exige
mais processamento do que números mais distantes. O tempo de resposta e a
taxa de erro são inversamente proporcionais à distância entre os números. Esses
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