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DESENVOLVIMENTO INFANTIL: O QUE DESENVOLVE?
de valores, não poderia alterar a estrutura cerebral: novas funções – como a capaci-
dade de ler ou de recuperar funções perdidas –, são localizadas em áreas próximas
do cérebro onde originalmente essas ou funções similares eram executadas, e em
que ainda existiriam neurônios especializados. Com isso a margem de indetermi-
nação e a possibilidade de plasticidade são desconhecidas – mas certamente não
são aleatórias ou infinitas.
A possibilidade de uma plasticidade ampla, geral e irrestrita é inviável face à
cronologia da formação do sistema nervoso:
Até a oitava semana de gestação, todos os neurônios que comporão o córtex
já foram despachados para as zonas específicas do córtex, onde vão atuar e se
desenvolver.
A partir da décima quinta semana de gestação, bilhões de células deixam a
base do córtex e começam a formar a massa cinzenta do cérebro.
Entre a vigésima quarta semana e o nascimento do bebê, o córtex desenvolve-
-se tão rapidamente que todos os tipos de células adultas já se encontram pre-
sentes e em funcionamento. Isso inclui os canais sanguíneos, as células gliais e
outros tecidos.
A plasticidade cerebral também é invocada a partir da observação de que o
fenômeno da poda neuronal, em que bilhões de células são eliminadas do siste-
ma nervoso nos primeiros anos de vida, e mesmo mais tarde, se daria em função
da interação com o ambiente. O argumento não subsiste: tanto o crescimento
exuberante quando a poda cerebral ocorrem, em sua maioria, durante a vida
uterina (RAKIC, 1995).
A maturação cerebral – influenciada pelo ambiente e pelas experiências que
podem estimular o limite da plasticidade –, explica o aparecimento de certas ca-
pacidades em determinados momentos – como a formação do vínculo de apego,
por volta dos seis a oito meses de idade. No caso da linguagem, por exemplo, por
volta de dezoito meses de idade, a massa cinzenta expande-se dramaticamente
nas regiões onde se localizam as funções da linguagem. A partir daí a criança
começa a aprender uma média de dez palavras por dia – quantidade que se man-
tém bastante estável até por volta dos quinze a dezessete anos de idade, quando
os jovens concluem o período escolar obrigatório – e que lhes provê, em tese, um
contexto adequado de estimulação (BLOOM, 2000).
Jerome Kagan (1997) demonstrou como a maturação cerebral – e não a esti-
mulação/aprendizagem/ambiente –, explica a existência de fases críticas do de-
senvolvimento, no caso, para aspectos relacionados ao temperamento. Aos dois
meses de idade, as crianças começam a perder o reflexo de agarrar, reduzem o
riso e o choro espontâneos e começam a aumentar sua capacidade de memória e
reconhecimento. Isso está associado a importantes desenvolvimentos na base do
cérebro e da camada de mielina em torno dos axônios. Por volta de dez meses de
idade, inicia-se outro grande processo de mudanças no cérebro – que se revela
pela ampliação da memória e da locomoção, mas também de comportamentos de
estranhamento e medo de estranhos, por exemplo. Dada a velocidade das desco-
bertas científicas, é necessário ter cautela sobre essas questões. Estudos realiza-
dos nos últimos quinze anos, como os de Karmiloff-Smith, Farah e Noble, entre
outros, identificam importantes modificações depois da puberdade e ao longo da
adolescência, sugerindo variações significativas nesses padrões.
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