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INTRODUÇÃO
3. Racional e emocional
Para sobreviver, não bastam reflexos e instintos, o organismo precisa tomar
decisões. Imagine as decisões que o cérebro precisa tomar para atravessar uma
rua. Para algumas decisões o cérebro conta com variáveis que são pré-progra-
madas, como no caso de calcular a distância de um objeto ou para identificar as
características fonêmicas da fala. Mas para muitas situações ele precisa computar
uma série de informações sobre peso, medida, distância, esforço, espaço, tem-
po, mobilizar músculos, acionar mecanismos visuoespaciais, entender regras de
acesso etc. Uma decisão aparentemente tão trivial quanto esta requer milhares –
senão milhões – de microdecisões. Cada passo exige uma série de computações
e decisões para que o próximo passo seja correto e na direção correta. Mas não
se trata de um processo serial, isolado, ao contrário, o processo é intensamente
interativo. Seria impossível que todas essas decisões fossem conscientes, e nem
sempre elas são – ou precisam ser – racionais.
O uso do modelo de processamento de informações para entender o funcio-
namento do cérebro levou ao desenvolvimento de mecanismos matemáticos mais
sofisticados para compreender o processo decisório. De acordo com alguns desses
modelos, o cérebro operaria como um criptógrafo computando pedaços ainda que
ínfimos de informação e usando princípios baseados no modelo bayesiano para
atribuir peso a essas informações. Sempre que as informações decodificadas atin-
gem um determinado limiar, o cérebro toma suas decisões – com base em critérios
probabilísticos: ele satisfaz-se com relativamente pouco, para não sobrecarregar sua
memória e seus mecanismos de processamento. Novamente aqui é necessária uma
palavra de prudência e uma contextualização: trata-se de modelos baseados nos
conhecimentos atuais – certamente a ciência irá desenvolver modelos mais precisos
para explicar esses processos.
Isso explica os erros que podemos fazer ao tomarmos nossas decisões e, tam-
bém, sugere que decisões que tomam mais tempo, ou nas quais se identificam
e se articulam de maneira mais apropriada os elementos essenciais, podem ser
mais acertadas – embora esse nem sempre seja o caso. Ainda mais: essas de-
cisões – que também se relacionam a assuntos do cotidiano e de nossa vida
emocional – não passam necessariamente pela triagem de um ator racional e
consciente.
Estudiosos da cognição humana, como Simon (1990), Tversky e Kahneman
(1974), mostraram que nossas decisões são muito mais probabilísticas e basea-
das em soluções satisfatórias e, raramente ou nunca, consideramos soluções óti-
mas ou cem por cento racionais. Estudos como esses, inclusive, mostram como
a maioria de nossas decisões não depende do arbítrio de um agente racional. No
entanto, o fato de que não somos inteiramente conscientes ou racionais em nada
diminui nossa condição de seres racionais – com responsabilidades, ônus e bônus
associados a essa condição.
A base neuronal dessas observações também já está bem estabelecida. Além
disso, sabemos da existência de um mecanismo de recompensa – o efeito de uma
decisão, como a recompensa ou o prazer – aumenta a chance de sua ocorrência e
isso está relacionado com as descargas neuroquímicas decorrentes desses senti-
mentos. O vício em drogas, por exemplo, poderia ser explicado pela manipulação
direta dos mecanismos farmacoquímicos do processo decisório.
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