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prefácio
Alfabetização: uma mudança de
perspectiva num Brasil em mudança
José Morais *
Este livro, Alfabetização de Crianças e Adultos – Novos Parâmetros, é mais um dos ainda insuficientes
sinais de que uma mudança de perspectiva está acontecendo na alfabetização no Brasil. talvez não seja
mera coincidência o facto de ela ocorrer num país que está também mudando, assim se espera, rumo ao
desenvolvimento e ao progresso social e cultural. lutas difíceis e incertas, uma como a outra. não são
independentes: a primeira é apenas uma das frentes em que a segunda se move.
Para tratar da alfabetização, João Batista Araujo e oliveira apóia-se numa corrente científica que tem
vindo a crescer nos últimos trinta anos mas que ainda é pouco praticada e se mantém quase desconhecida
no Brasil – a Ciência Cognitiva da leitura. A capacidade de leitura apresenta duas características notáveis: é
uma das mais complexas do ponto de vista da sua organização cognitiva e cerebral; e, sendo sem dúvida um
produto da história sociocultural da humanidade, só foi e é possível como aproveitamento de capacidades
biologicamente determinadas. A sua aquisição por cada indivíduo é um empreendimento difícil, que exige
esforço pessoal e instrução adequada, e cujo sucesso ou insucesso influencia grandemente o futuro estatuto
social do aprendiz de leitor. o estudo cognitivo da leitura merece hoje ser chamado de ciência por duas
razões: porque, tendo-se constituído numa base interdisciplinar que reúne psicologia cognitiva, lingüística
e neurociências, adquiriu uma dinâmica própria; e porque, pela virtude mesma do seu método, isto é, pela
verificação experimental de hipóteses no laboratório e fora deste, tem demonstrado uma alta capacidade
explicativa da leitura competente e da sua aprendizagem.
são dois os grandes méritos deste livro, que justificam que ele possa vir a ser um instrumento impor-
tante de mudança na maneira de conceber, planificar e praticar a alfabetização no Brasil. o primeiro é o
de mostrar que certas concepções da alfabetização, actualmente dominantes neste país, não são coerentes
com as descobertas da Ciência Cognitiva da leitura. fá-lo de maneira irresistível, numa linguagem clara e
directa, e com muito humor. tais concepções, uma vez despidas pela argumentação do autor deste livro,
revelam-se – como o rei que caminhava nu, convencido e convencendo o povo de que ia vestido –, vazias
de conteúdo. o seu segundo mérito é o de propor, na base da Ciência Cognitiva da leitura, princípios
pedagógicos eficientes. João Batista, para além de demonstrar que o alfabetizador deve explicitar o princí-
pio alfabético e as mais elementares relações grafema-fonema, utilizando para isso materiais didácticos de
eficácia comprovada, reabilita o que chama de proscritos: a memorização, a caligrafia, o ditado e a cópia. É
de facto lamentável que, por falta de discernimento, se tenham condenado instrumentos úteis em vez de
se condenar tão somente a má utilização desses instrumentos.
* José Morais é de nacionalidade portuguesa e a seu pedido foi mantida a ortografia utilizada naquele país. É professor na Universidade livre de
Bruxelas e membro do Observatoire National de Lecture da frança.
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