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introdução

                  Mas não é só a quantidade de palavras que difere, embora essa diferença
                  seja gigantesca, pois se situa na casa dos milhões de palavras proferidas
                  e ouvidas antes dos 3 anos de idade: a maior diferença situa-se no
                  conteúdo das palavras e das interações que elas evocam.  Um maior
                  nível de escolaridade das mães está fortemente associado a uma maior
                  quantidade de encorajamentos e elogios, ao passo que as mães com
                  menor escolaridade utilizam mais palavras para inibir o diálogo, mais
                  “não”, “não pode”, “fique quieto”, “não tem” etc.

                       As evidências coletadas por Hart e Risley foram aprofundadas
                  pelos estudos de Anete Lareau (2003) no seu livro Unequal Childhoods.
                  Nesse livro, utilizando dados de pesquisas realizadas em domicílios de
                  pessoas de diferentes níveis socioeconômicos, educacionais e culturais,
                  a autora mostra como a transmissão social da pobreza passa pela
                  transmissão da linguagem.
                       A convergência dos achados desses estudos sugere que o período
                  de aquisição da linguagem é decisivo para o sucesso escolar da criança.
                  Em igualdade de condições, a criança que esteve exposta a um ambiente
                  mais favorável ao desenvolvimento da linguagem terá maiores chances
                  de sucesso na escola, e, consequentemente, de ajustamento na vida.

                       Há outras variáveis e fatores a serem considerados para o sucesso
                  escolar, além da linguagem. O autocontrole, ou controle executivo, é
                  um deles. O termo “controle executivo” refere-se às habilidades que
                  estão associadas ao córtex pré-frontal e interconectados com o sistema
                  subcortical. Ao lado da linguagem, o desenvolvimento das competências
                  de controle executivo (Diamond, 2001; Duncan e Miller, 2002) está
                  fortemente correlacionado com o desenvolvimento de habilidades
                  sociais positivas. Os estudos sobre o impacto positivo de algumas
                  intervenções com crianças muito pequenas em creches e pré-escolas,
                  revistos  criteriosamente  por  Carneiro  e  J.  Heckman  (2003)  também
                  reafirmam a importância desses dois aspectos para explicar o sucesso
                  escolar e o desenvolvimento de competencias sociais positivas fortemente
                  correlacionadas com o ajuste social e profissional das pessoas.
                       Portanto, não cabe inferir daí que a leitura desde cedo,
                  por si só, contribuirá para reverter o círculo vicioso da pobreza.




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